quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

"Eterno pro tempo"

Aos amantes do tempo!



Cá estou a escrever as minhas indagações, o que deveras minha mente faz-me sentir, aceitar e compreender junto a si própria, contudo, não as faz tangíveis a alheias considerações, definitivamente alheias. Tudo e todos desconhecem as minhas emoções corriqueiras. Ninguém as vê de forma aprazível, não há sequer um ser humano ao meu redor capaz de abrandá-las a fim de torná-las menos trágicas à minh’alma. Para minha pessoa, ou melhor, às minhas “personas”, a la Álvaro de Campos, é uma agonia reinante, imperativa, a que não se pode ovacionar, senão lamentar por esses incompreensíveis do amor. É um tanto triste não poder compartilhar concretamente essas visões, mas simultaneamente torna-se saboroso com elas conviver, conviver o resto de minha existência.



Pois bem. Ponho-me à mercê de vossas declarações ao aqui propagar o que para mim é um pleno desejo e para vós uma bagatela fora de vez. Acontece que o que se passa é uma mistura irrefutável de tempos, portanto, não há de se esvair mesmo que se levantem contra...



Inicia-se através do tempo, pelo tempo, para o tempo, com o tempo... É semelhante à história de uma bela garotinha, em sua adolescência, que viveu há 90 anos e foi capaz de lutar pelo seu amor, com o fim de mantê-lo vivo. Ela vai, pois, ao encontro de um jovem rapaz. Ao se encontrarem, aquilo que poderia ter sido um mero acaso floresce dos recônditos atemporais e então acende o sentimento, o amor. Este, ao viajar pelo infinito, encontrou no hoje a sua completude... E aí está esse outro lado da história atemporal: o meu velho cogito.



Todos sabem que por volta do século XVII declarou Descartes ser inverdade o que primeiro não for indagado e colocado à prova. Portanto, como saber se este mundo é real, se tudo o que existe deve ser posto em questão? Se o que os amantes dessa história sentiam é uma trivialidade do tempo? A única verdade existencial para o pensador seria ele próprio! O fato de ele ter pensado, capacitando-se à síntese das suas perguntas acerca do mundo, daquilo o que se apresentava na sua vida, deu certeza à sua presença no tempo e no espaço.



Se Descartes achou que podia se apossar de seu tempo, acho, então, que posso reter o cerne desse tempo, pelo menos o que corresponde à minha vida. Não que eu seja condizente com o viver somente do passado, mas sim com a sua recaptura. A tal historinha de antes foi polarizada, e um desses pólos encontra-se em mim. Para minhas realizações futuras. Eu sou o outro lado, estou, enfim, na conclusão dessa história! Amo a quem se foi e a quem está neste meio. Meu caro amante, também sou eu uma amante do antigo, e, completando, diria ser eu a amada amante do amado tempo, entornado de anacronismos.



Para meu conforto, consigo encontrar mentes brilhantes que projetaram uma ligação com o passado de forma a resumir, talvez, o que não passava de amargura e solidão da alma. Morangos Silvestres é um clássico, no qual Bergman soube retratar a viagem de uma alma sedenta do passado e que constantemente se reencontra por meio de flashs de sua juventude. Por alguns instantes, ele (o professor e médico Isak Borg, interpretado por Victor Sjöström) revê sua amada na pessoa de uma jovem, que agora lhe é contemporânea. Sua amada falecera, mas aquele fato não foi suficiente para proibi-lo de reviver sua vida, tentando consertá-la talvez, ou, de maneira fértil, imaginar que outra pessoa poderia ela (sua amada) estar representando.



Lindamente, eu assim me sinto. Mas... Se eu parar para pensar que é impossível reacender o que já se apagou no passado, ou que as idéias sobre a mutabilidade do tempo, da vida, de que não se pode reviver, remontar uma história perdida, eu cá não estaria a digitar estas palavras. Eu lamento ter que viver por aqui, neste espaço, nesta era da rapidez, da falta de plenitude no amor, da superficialidade com que os homens (alguns de vós, leitores) lêem e interpretam os pequenos espetáculos da vida... As plantas, os fenômenos, os gestos de “bom dia”, “boa tarde”, “como vai?”, o perfume da natureza, o cheiro do humano... Por que não ser eterno? O que há de verdade para este tempo, senão a nossa humilde opinião?



Eu às vezes temo o tempo, temo que ele possa querer se levantar contra o meu ser, mas não importa o que pensem, o que ensejem de diferente do que defendo. Que tentem, porém nada irá mudar... Apesar desta era da digitação, de não à escrita, de não à pura leitura das páginas tradicionais, de não aos tratos humanos, como dizia meu velho Chaplin, unamo-nos para que isso não seja uma barreira aos clássicos encantos. Pelo menos eu irei me unir a mim mesma e aos meus desejos atemporais.



Vamos reviver o nosso romance, por ora interrompido pela idéia da morte! Insisto! Que possamos revivê-lo! Tal como Santo Agostinho, eu sei perfeitamente como vivo isso, entendo meus anacronismos, entendo esse ou aquele tempo, mas é complicado descrevê-lo... Tão complicado para quem vive quanto para quem revive.



Despeço-me com os versos de Glória Azevedo, que soube entender que para cuidar do amor não há tempo nem fronteiras: “Há que se cuidar do amor/ Como quem carrega o sonho e o tempo/ Há que se cuidar do amor/ Como se exílio pro sonho/ Como se eterno pro tempo”.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O Signo Potemkin


“Eu não sou realista, sou materialista, acredito que a matéria provoca em nós sensações” Sergei Eisestein
Fruto da montagem intelectual de Einsestein, O Encouraçado Potekim, 1925, está entre os melhores filmes da história cinematográfica. Nele, uma estreita ligação dos tempos narrativos – da realidade e da narrativa – promove dinamicidade, ao mesmo tempo em que interliga os fatos de cada tomada da cena com o perfeito jogo de montagem das câmeras. É um “divisor de águas” para o cinema.
É profundamente “mecanizado” em metáforas, no que se refere à forma da sucessão dos acontecimentos no filme – um exemplo disso é toda a cena da escadaria de Odessa, em que o constante enfoque dos rostos dos atores deixa clara a indignação e sofrimento, não só por meio da expressão como também pelos close-ups, como se as personagens chamassem ou quisessem a proteção do espectador.
É um cinema ideológico, repleto de sinais organizados, que o tornam causador de choques emocionais. O modelo de representação de Eisenstein tende a se desgarrar de paradigmas do discurso objetivo, fadado à descrição, prezando pela justaposição de imagens, de forma não natural e simultânea (com relação ao tempo cinematográfico), para que o espectador entenda a mensagem através de diversos signos e por ângulos sugestivos, sendo essa mensagem constituída por montagens não lineares (descontínuas). O cinema passa a ter ainda mais a égide de esfera de significação e sentidos.
Tal método utilizado por Einsestein, já em 1925, intensificou-se nos anos seguintes, pois o cinema jamais fora o mesmo desde essas visões revolucionárias. Um diferenciador do antigo processo linear dentro dos filmes e do processo mais realístico, sendo este oriundo das metáforas um tanto mais trabalhadas por meio das câmeras e não da literatura em si ou da seqüência do roteiro. O que importa é o jogo das percepções do espectador, das possíveis tomadas, que podem ser inseridas para ajudar a narrar o fato - no lugar da linguagem escrita - não importando se vai estar ou não dentro de um compreensível tempo narrativo.
Não que os filmes anteriores a O Encouraçado Potekim não demonstrassem essa visão repleta de signos ou metáforas, mas a partir daquele momento o trabalho fora ainda mais moldado.

Link:  www.imdb.com/title/tt0015648/

sábado, 24 de outubro de 2009

O binômio Essência e Aparência

Mente humana: suspenso labirinto da alma; alma esta que não sabe, não vê, não sente a sua própria identidade


O ser humano tem de fato se preocupado com a análise da sua verdadeira constituição, enquanto ser pensante, tanto que elaborou, ferreamente, muitas investidas em conceitos epistemológicos acerca do que um dia pudera sintetizar o seu pensamento, o que lhe fora contribuinte na origem de suas idéias, ou mesmo no que consiste a sua essência. O que corrobora tamanha “odisséia” introspectiva do homem são as provas que foram deixadas por pensadores, artistas, os quais possuíam a idéia da virtualidade de uma forma tão hodierna. Em tempos contemporâneos, esse aspecto virtual tem se concretizado e fincado na mente do homem, por isso a sua edificação constante (tal como é vista e tachada de ruído comunicacional) norteia perfeitamente as mútuas relações.
Assim dizia o estudioso McLuhan, “o homem vive em uma Aldeia global”. De fato, em sentidos dessa globalização, ouvidos, vozes, pensamentos, cores, tudo, permeia por uma encruzilhada internacionalmente coletiva. Diz-se que a razão do mundo é instrumental devido ao seu não comprometimento com o que é essencial ao homem. Este é cercado por idéias, culturas, que suspiram e almejam esclarecimento real; não se desvinculam, porém, do falso, unânime e onipresente. Aí está uma perfeita “aldeia” para esse falso entendimento da completude do Outro: a comunicação globalmente simplificada e alastrada.
Certa feita, um grande escritor se comprometeu e construiu para o esboço público a personagem, literalmente psicológica, de uma das suas maiores obras, a Capitu de Dom Casmurro. Machado de Assis demonstrou, mesmo de forma superficial, a personalidade ateada por dissimulações, principalmente em suas falas. Os “olhos de ressaca” de Capitu se prontificaram para futuras análises e descobertas acerca daquele comportamento. Na verdade, não se sabe ao certo qual seria sua essência, ou se realmente o que ela aparentava fazia parte da sua originalidade.
O ruído na comunicação seria justificado pela falta de revelações por si própria. A Capitu (ou o Machado) fez exaurir todo tipo de compreensão acerca de seu comportamento duvidoso, ocasionalmente cifrado, de poucas e inatingíveis palavras. A partir dessa idéia é que se pode pensar (cem anos depois da Capitu machadiana) no modelo cibernético da internet: conversas curtas, codificadas e que muitas vezes não se esclarecem em si mesmas, tal como Capitu. Não se é capaz de sentir o Outro, de compartilhar suas “magias”, mas apenas de lhes atribuir o fragmentado, aparentemente essencial.
Essa questão do Outro, da ausência de ser e de compreender o Outro, não é só “ofuscamente” tratada por estudiosos atuais. O grande Immanuel Kant outrora fizera vigorar o pensamento universal para a mútua compreensão através do chamado Imperativo Categórico. A mesma categoria, que o homem possuía nas suas “rasas” relações, deveria ser canalizada para o entendimento das mesmas relações, agora aprofundadas. O imperativo estaria nas regras, as quais cada um manteria com o Outro: “agir e pensar de modo que a essência de seus atos seja universal”. O que é aparente pode perfeitamente ser modificado, porém a essência jamais se esquiva da sua origem real. Quaisquer que sejam os acidentes, já segundo Aristóteles, a sua essência prevalece. Então, o Outro pode ser revelado!
Em certa ocasião, quando da vinda da corte Portuguesa em 1808, esta trazia em si o aspecto da fina e tradicional “beleza” européia por suas damas, com seus turbantes e ornados vestidos. Pois bem! Tudo aquilo indicaria que os turbantes simbolizavam uma infestação grande de piolhos e a falta de cabelo, além dos vestidos cobrirem o vazio que havia na essência daquelas mulheres.
Unir, pois, tal capacidade de se mostrar “descaradamente”, de fazer emergir das entranhas o seu fabuloso nicho compreensível, o mais intimista de um homem, talvez não seja ainda uma atitude convicta de verdade. O ser, na mais profunda solidão, distante das várias conjeturas acerca do seu mundo, revela-se mais completamente e sem exageros. O que dirá José de Alencar em sua obra Senhora, quando a personagem Fernando Seixas, em seu isolamento do mundo socialmente hipócrita, no qual costumava viver, nada mais se revela como um homem simples e sem muitas posses, longe dos falsos escrúpulos a que se fazia entender, com uma aparência fidalga. É exatamente uma abertura à discussão do paradigma da ação humana de viver pela aparência, completamente empobrecida pela falsidade, que pode ser rebuscada a idéia do por que da maioria do ser humano agir de tal forma.
O jogo da Essência e da Aparência será eternamente a grande porta de estudos, em que serão encontradas mentes brilhantemente perseguidas por tal vício, o vício do obscurantismo da alma, da cópia, da infinita insatisfação do ser singular e não aparentemente original; afinal, as aparências enganam!

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

“Loucura do filósofo: delírio dos deuses!”

Como um dos primeiros pensadores ocidentais a se preocupar com questões estéticas e a retratá-las na forma de temas universais, como o amor, Platão sentiu a necessidade de fazer desse sentimento o verdadeiro “caminho místico” ao belo, de forma a fazer-se entender sua representação absoluta, verdadeiramente a sua essência. O bem, o Saber e a Verdade são algumas das muitas virtudes encontradas no lugar (mundo) das idéias eternas, onde o filósofo coloca toda síntese do seu pensamento e toda idéia de bem estar supremo, o qual contribui para harmonia e equilíbrio constante de seus elementos ideais. É por meio de diálogos, dentre os quais Banquete e Fedro, que se inicia a temática de EROS na relação humana e sua retratação como instrumento de ligação com a arte, mais especificamente a retórica em comunhão com a verdade: o amor liga-se ao bem, que por sua vez embute-se na sabedoria e, portanto, na verdade. É nessa busca pelo correto que se encontram os valores estéticos platônicos.
Fedro é um diálogo em que Platão, através de seu mestre Sócrates, explica a forma correta de se viver artisticamente, agindo consoante o amor (EROS) puro – longe de ser apenas imaginado como uma paixão carnal ou pederástica, mas um sentimento que torna o amante capaz de grandes feitos por seu amado, devido ao delírio e à loucura que os deuses inspiram nele. Explica também que a retórica transforma-se em arte a partir do momento em que, pela dialética, é possível conhecer as qualidades da alma e suas múltiplas sensibilidades à persuasão da eloquente oratória, bem como a sabedoria daquele que dribla a verdade com algo verossímil, chegando perto do que é provável. Centralizando temas de amor e de retórica, essa obra esclarece a filosofia platônica e, paulatinamente, demonstra a possível relação do filósofo com o belo, a sua visão do esteticamente válido e agradável, como a idéia do delírio.
O amante da verdade aos poucos acaba por enxergar a essência da beleza naquilo que ele considera belo. Geralmente, ele inicia sua contemplação de uma forma primitiva – por estar situado no mundo sensível (um mundo que leva ao erro) - depois, através da recordação, evolui as idéias.
Entende-se que cada ser do mundo sensível corresponde a padrões ou a arquétipos do que é a absoluta existência no mundo das idéias (mundo da verdade): a alma transmigra e recorda o que o espírito já contemplou antes de sua encarnação terrestre – verdade, beleza, bem. Para Platão, ao encontrar um ser humano em estado de supremo êxtase, causado pela contemplação do esteticamente belo, trata-se do processo do recordar, tendo em vista que a natureza da alma, por ser imortal (eterna), tudo conhece e tudo já viu, bastando a ela que o seu aspecto racional sobrepuja ao sensualmente material.
A noção de estética está na enfática idéia de dois mundos. O mundo das idéias puras concentra toda grandiosidade da beleza em seu aspecto absoluto. Já, qualquer ser do mundo sensível se estabelece por sua beleza material, que, na medida em que há uma ligação desses seres com o mundo ideal, torna-se fortificada e, conforme as recordações do momento da evolução da alma, seu conceito de matéria passa a um caráter espiritual. O belo será ampliado, suas concepções estarão dotadas de verdade e quando contempladas compartilharão de um profundo deleite - o delírio dos deuses.
Elemento fundamental para a alma, o amor é o sentimento supremo, o qual inspira o ser para as mais belas atitudes de profunda relação com o belo e de grande admiração. Deixando-se conduzir pelo amor, o delírio, que é causado no amante, contribui para a síntese de uma sã consciência, repleta de sabedoria, sendo ela capaz de alertar o mundo acerca dos males e da desordem que porventura possam ocorrer. Aí está o sentido estético desse amor: Platão afirma que "EROS é uma força que instiga a alma para atingir o bem" (CHALITA. 2004:56), este tem na beleza a sua representação naturalmente simplificada e visível; por existirem diversas formas de beleza, a sabedoria seria a maior de todas, sendo concretizada pela verdade a que o filósofo detém. O papel desse sábio é ligado à exclusiva contemplação da beleza, pois só assim ele chega à ordem do que governa. Platão diz que “é indispensável aos homens atribuírem-se leis e viverem conforme essas leis” (Ibid) , isto é, a idéia de ordem e tudo o que for relacionado à simetria, ao equilíbrio e à perfeição – seja do estado da alma, seja do próprio aspecto material das coisas –encontra-se reservada na sua idealização, em seu mundo “supra-sensível”.
O mundo das idéias – representado pelo Céu platônico em Fedro – contém a verídica e única idéia da realidade, a qual se encarrega de harmonizar todo o conjuto daquilo que ela é nutrida (Ciência, Beleza, Sabedoria e Pensamento), de maneira a equilibrá-la. É um plano em que todos os elementos estão sob o domínio de tudo o que for de aceitação da Estética. É um mundo no qual reside o esteticamente perfeito, onde se concretiza a existência do essencialmente superior; um mundo condizente com tudo o que Platão pensava do belo, do deleite contemplativo:
“Para Platão, dentro da sua grandiosa visão idealista do mundo e do homem, a beleza de um ser material qualquer depende da maior ou menor comunicação que tal ser possua com a Beleza Absoluta, que subsiste, pura, imutável e eterna, no mundo supra-sensível das idéias” (SUASSUNA. 1996: 41).
Uma prova de que o filósofo se preocupa com a beleza artística está em seus argumentos acerca da retórica. Em Fedro, Platão afirma que o amor, por ser o grande motor da alma humana, pode indiscutivelmente impulsionar o saber. Portanto, a retórica só se torna uma obra de arte esteticamente notável, se não se privar do conhecimento dialético, o qual esclarece o homem sobre a verdade dos fatos e ajuda na distinção do que é mais ou menos persuasivo. Movido por tais condições um retórico passa a exercer a arte, o belo.
“[...] não é possível fazer discursos artísticos naturais, quer se trate de ensinar ou de persuadir, posto que se não conheça a verdade sobre os objetos a respeito dos quais se fala ou se escreve, se não se estiver em condições de defini-los e de dividi-los em espécies e gêneros, se não se houver estudado a natureza da alma e determinado quais gêneros de discursos se adaptam às suas espécies; se não se tiver redigido e ordenado o discurso de tal modo que ofereça à alma complexa um discurso complexo e à alma simples um discurso simples” (PLATÃO. 2007 : 123).
Esse ideal de Retórica resume o objetivo final que Platão diz ser o necessário a todo filósofo: o reconhecimento da verdade em sua totalidade, em face de um esforço metódico, oriundo de um imenso desejo de chegar à verdade, racionalmente, sobrepondo-se ao doxa (opinião). Conjuga-se ao sábio a razão e a intuição, de modo que o verdadeiro é um aspecto universal e não se reduz a pequenas definições, as quais dizem respeito à sensibilidade humana.
Ao tratar da eloqüência com que os retóricos devem manifestar a sua astúcia, é visível a condição que se quer passar da “loucura”. Loucura no filósofo nada mais é que o delírio dos deuses (mania), aquele inspirado por EROS, mais precisamente. Repleto de entusiasmo, o sábio, ao ver o objeto, incita o aparecimento de “asas” (uma espécie de transes) para a busca do belo em si, do prazer. Assim é que deve ser encontrada a eloqüência para os discursos.
Ontologicamente, o que Fedro reflete através de discursos socráticos é uma suposta abstinência do puro prazer carnal, por vezes difícil ao ser humano, mas que é totalmente alcançada pelo superior, o filósofo. Só esse ser pode fazer de seu objeto um sujeito amante e delirante.
Dessa forma, o amor é algo comum dos dois mundos, é o melhor de dois mundos. Sua magnitude, porém, associa-se à beleza estética idealizada e não é sentida de maneira suprema, a não ser pela boa loucura. Portanto, percebe-se que a bela essência sempre será almejada pelo amor do mundo sensível: a humanidade, segundo Platão, sempre tenderá à busca da perfeição estética.


Referências:

PLATÃO. Fedro. São Paulo: Martin Claret, 2007;
CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia. 2. – Ed. - São Paulo: Atual, 2004;
SUASSUNA, Ariano. Iniciação à Estética. Recife: Editora da UFPE, 1996.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O signo visual na humanidade

Desde o momento em que o ser humano tornou-se capaz de não apenas captar, mas também de sentir os signos à sua volta, ele percebeu que a natureza podia ser uma grande matriz na qual haveria uma transformação de todas as suas percepções; os seus sentidos estariam muito além do que ele enxergava, pois agora eles evoluiriam numa espécie de metamorfose visual para uma perfeita representação do que seria essencial.
Mesmo que toda a análise dos elementos naturais fosse extremamente sugestiva para uma posterior representação, na pré-história ainda as pinturas eram pouco trabalhadas, talvez pelo fato de que também eram utilizadas como uma forma de comunicação entre os homens, mas não como um original instrumento de imitação da realidade ou de adoração aos deuses.
As primeiras mostras ou figuras sintetizadas datam da pré-história, como se sabe, as pinturas Rupestres encontradas nas cavernas, tais como as de Altamira, que caracterizam o período da explosão criativa. Por cem mil anos o homem não produziu imagem alguma, ainda não se fazia entender no processo de evolução, sequer no seu papel de transformação da natureza, mas foi com o tempo que lhe veio a possibilidade de trabalhar o senso criativo a partir da retratação de animais, numa simulação de caça, por exemplo. Essa simulação passou a ganhar sentido espiritual e desde então as figuras eram criadas como parte complementar de uma crença ou culto religioso.
Os acontecimentos e fenômenos possuíam dessa forma um significado, uma vez que se uma determinada cena fosse desenhada, esta já era garantia de ocorrência. Tamanho mistério da criação humana na arte sempre fora muito valorizado e buscado como que uma inquietação, um transe a penetrar no inconsciente e deixar de herança a complexidade da mente dentro do campo das figuras.
Os ancestrais sabiam retratar pontos e linhas – primeiras manifestações a serem desenhadas - em virtude de se poderem imaginar as figuras que fossem construídas por tal método. Muitas vezes eles rabiscavam somente traços sem definição alguma ou montavam um grande esquema em formas pontilhadas, semelhante a algo que viesse a ser decalcado. Esse grupamento outrora fora a mais utilizada das estratégias do homem. Quem possuía tal capacidade era dotado de criatividade para fazer a arte dessa maneira.
Mas, o que realmente estava por trás de toda a criação de imagens?
Uma importante referência que se tem é o Cérebro. A influência do mesmo resulta do armazenamento de todas as “visões” que se teve até o momento e que ficam no subconsciente. É a memória visual, cuja funcionalidade está em permitir que seja estabelecida uma conexão de tudo que possivelmente é visto com os desejos mais transbordantes, pois “a arte continua o trabalho do Cérebro”.
[2]
Sabe-se que as características das representações primitivas, a partir de cultos religiosos, eram a experiência espiritual do transe, a qual levava o indivíduo a encontros alucinantes (como sabemos, sem a existência da fotografia, ou de qualquer meio que retratasse um tipo mais próximo do real, era possível chegar a essa experiência); era uma questão de projeção do Cérebro visual. Isto é, como já foi dito, o ser humano armazena os signos pelos quais estão envoltos, então é possível visualizar, mesmo que de olhos fechados, certas imagens bidimensionais e reproduzi-las.
Levam-se em consideração os padrões mentais, a perda sensorial, o valor emocional e a intensidade do número de alucinações. Feita uma experiência, colocando-se um homem em um local escuro, observou-se que ele constatava padrões em sua mente, como redes de linhas, algo parecido com bolhas de cores bem vibrantes, havia constante abstração e o valor do repertório cultural também era significativo, isso dentro das produções cerebrais.
Dessa forma, a resposta acerca de como os ancestrais faziam suas pinturas, mesmo na escuridão, está nessa complexidade do inconsciente, tendo em vista que o Cérebro humano não muda desde a primeira evolução - a explosão criativa – portanto, o modo de reprodução artístico parte praticamente do mesmo processo, do Cérebro visual.
Diante disso, fica claro que as imagens têm o seu sentido, elas não foram e nem são criadas ao acaso. As imagens não significam uma espécie de acessório apenas, elas fazem parte da mente de forma constante, pois são produtos dela. Desde a “descoberta” da capacidade de fazer imagem, o homem nunca descansou, passando a utilizá-la sempre, em resposta à necessidade de sua produção.
Se não fossem os ancestrais com seu extraordinário sentimento do mundo, suas linhas, cores e pontos, ou mesmo um simples espelho do cotidiano, hoje, toda essa “arte” necessária jamais teria o seu espaço.




[2] Vídeo - O dia em as Figuras nasceram.

Referência:
Vídeo TV Escola - Ensino Médio: Arte / Psicologia / Matemática - Acervo O Dia em que as Figuras nasceram.

sábado, 22 de agosto de 2009

Eis o Laço

À Quartier de la Madeleine.




Eu vi, enxerguei o Laço. Um vínculo que os tornou conscientes de seus sentimentos e plenamente ciosos da realidade dos frutos daquele afeto. Não há espaço para lógicos argumentos ou fatos. Simplesmente… um Laço. Imagem de um Elo. Ele indicia desejos, aquele ensejo de sentir, aquele ato pela potência apaixonada, pela eterna ligação, pelo ser sentido.
De Madeleine, duas criaturas perdidas em realidades inconfundíveis, foi o que vi: a princípio, um viajante sem norte, sem rumo, entregue à escura e mórbida rua parisiense. A perfeita morada do obscurantismo. De almas tomadas pelo medo. Mais adiante, uma alucinação? Ilusão? Talvez a representação de reminiscências que o viajante contemplava, de seu inconsciente desejo pelo novo, algo bem diferente de todo e qualquer signo que já o tenha dinamicamente interpretado. O seu duplo. Súcubu. A imagem da feminilidade vampiresca. Sim, eu vi!
Eram imagens! Mas onde está o real? Até onde vai a minha realidade e a daquelas criaturas? Algo confunde-se na minha mente, posto que já não me está ciente os meus controles perceptíveis. Tornaram uma amálgama do puramente simbólico com o puramente concreto. E agora o medo, que outrora era apenas com o viajante, invade- me. Prelúdio a uma letárgica dor e perda de afeto. O medo inerte aos meus sentidos!
Havia uma grande “alavanca”, ou uma escada. Subia-se por si mesmo, degrau por degrau, conforme a vontade de ascensão ou de eterna dúvida e propensão ao baixo medo do desconhecido. Ah... Figuras estranhas! Sim, havia figuras estranhas, indicadoras de morte (rústicos esqueletos de peixes “fora d’água”, tal como o viajante naquele momento). E na eterna escuridão... o Laço. No centro de uma jornada labiríntica, o jovem, como que desde o início observado, mantinha-se apreensivo. Tudo o que ali houvera sentido ser-lhe-ia consciente e verdadeiramente afetuoso. Esconderijos. Luzes opacas, diluídas ao negro e horripilante frescor de brisa noturna. A criatura vampiresca lá estava em missão. E... um rápido encontro de olhares... O prelúdio à paixão.
À tona, grande emoção. Respiração ofegante. O medo! O que o jovem viajante perceberia: nada além da imagem tão real, já não mais do inconsciente, mas cientemente exterior ao seu olhar. Havia ali os objetos que exteriorizavam uma realidade imagética. Elo e Súcubu. Porém, o que eu senti não passou de sensações, tão somente sensações, perdidas e que a mim não se manifestaram. Sei que vi, mas... mas, a despeito de não me estar em igual situação a do viajante, pude compreender visivelmente aquelas imagens, aqueles ícones, aqueles símbolos de uma maneira menos concreta e até menos absurda que a de outrem.
Qual absurdo! Qual concretude! Uma perfeita constância com o ambiente: seria tão só isso o que o viajante perceberia. Era a sintonia não só dos olhares, mas também do cheiro, talvez odor de um sujeito alheio àquele ambiente, por isso a suposta “rejeição”. A quebra da missão e do instinto da criatura Súcubu. A criatura vampiresca que não ousou sugá-lo! A minha sensação esmoreceria ali? A percepção do jovem viajante estava por definhar?
Lá ainda permanecia o Laço. O querer sentir pelo ser sentido falou mais alto! Mais uma vez a escada. Agora serviu de queda perante o desespero. Ah! Mas nada estava perdido! O que os ligaria ainda lá permanecia, desde o início, em pleno contraste de cores: o medo, a dúvida e a união, a paixão, a vermelhidão da euforia. Atraída, então, pela vivacidade do Laço, Súcubu voltou-se ao viajante... da queda à ascensão, mais uma vez. Esse era o destino daquele jovem. Da morte ao renascer dos sentidos, e destes, à percepção. Potência em ato. Agora, criaturas confundíveis. Alta consumação do afeto.
Quanto a mim, pura alucinação. Isto é o que dele me difere: de minha mente, sentidos apenas. Do viajante, de Madeleine, realidade mental e afetiva.

Link:
http://www.imdb.com/title/tt0401711/